quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Defensorias Públicas

As defensorias públicas de cada estado prevêem a ocorrência de atendimento interdisciplinar psicossocial. Resenhei aspectos relevantes da legislação.

A Defensoria Pública foi criada pela Constituição de 1988, que em seu artigo 134 determina:

Art. 134. A Defensoria Pública é instituição essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe a orientação jurídica e a defesa, em todos os graus, dos necessitados, na forma do art. 5º, LXXIV. Parágrafo único. Lei complementar organizará a Defensoria Pública da União e do Distrito Federal e dos Territórios e prescreverá normas gerais para sua organização nos Estados, em cargos de carreira, providos, na classe inicial, mediante concurso público de provas e títulos, assegurada a seus integrantes a garantia da inamovibilidade e vedado o exercício da advocacia fora das atribuições institucionais.

A LEI COMPLEMENTAR Nº 80, DE 12 DE JANEIRO DE 1994 organizou a Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios e prescreveu normas gerais para sua organização nos Estados, e deu outras providências. Definiu como sua incumbência prestar assistência jurídica, judicial e extrajudicial, integral e gratuita, aos necessitados, assim considerados na forma da lei.
No Art. 4º são descritas suas funções institucionais, sendo a primeira delas:
I - promover, extrajudicialmente, a conciliação entre as partes em conflito de interesses;

A LEI COMPLEMENTAR Nº 988, DE 9 DE JANEIRO DE 2006
dispôs sobre a organização da Defensoria Pública do Estado de São Paulo, nos termos dos artigos 1º, 3º, 5º, inciso LXXIV, e 134 da Constituição da República e artigos 103 e 104 da Constituição do Estado de São Paulo, e definiu como um de seus fundamentos de atuação a prevenção dos conflitos (art. 3º) e, ao definir suas atribuições, explicita nos incisos V e VI do Artigo 5º:
V - prestar atendimento interdisciplinar;
VI - promover: a) a mediação e conciliação extrajudicial entre as partes em conflito de interesses; b)...

No artigo 7º, consta:
À Defensoria Pública do Estado são asseguradas autonomia funcional e administrativa e a iniciativa de sua proposta orçamentária,(...) cabendo-lhe especialmente:
II - praticar atos e decidir sobre a situação funcional e administrativa do pessoal ativo da carreira de Defensor Público e dos serviços auxiliares organizados em quadros próprios;
IV - prover os cargos iniciais da carreira e dos serviços auxiliares, bem como aqueles decorrentes de remoção, promoção e demais formas de provimento derivado;
VI - instituir seus órgãos de apoio administrativo e os serviços auxiliares;
VII (...)

No Artigo 10 – consta, no inciso IV, que os órgãos auxiliares são parte integrante da Defensoria Pública do Estado e no Artigo 48 que as Defensorias Públicas Regionais e a Defensoria Pública da Capital serão capacitadas com ao menos 1 (um) Centro de Atendimento Multidisciplinar, visando ao assessoramento técnico e interdisciplinar para o desempenho das atribuições da instituição, assegurada a instalação, em toda comarca ou órgão jurisdicional dentro de sua área de atuação, de local apropriado ao atendimento dos Defensores Públicos.

Conforme se lê no artigo 56 os Centros de Atendimento Multidisciplinar são integrantes dos Órgãos Auxiliares.

SUBSEÇÃO VI - Dos Centros de Atendimento Multidisciplinar
Artigo 69 - Compete aos Centros de Atendimento Multidisciplinar assessorar os Defensores Públicos nas áreas relacionadas às suas atribuições.
Artigo 70 - Para o desempenho de suas atribuições, os Centros de Atendimento Multidisciplinar poderão contar com profissionais e estagiários das áreas de psicologia, serviço social, engenharia, sociologia, estatística, economia, ciências contábeis e direito, dentre outras.

Evento CRP/SP 15/12/2007

A Psicologia Jurídica: características e possibilidades do campo de conhecimento e da prática profissional
O Conselho Federal de Psicologia e os Conselhos Regionais, em parceria com a Associação Brasileira de Psicologia Jurídica (ABPJ), estão promovendo encontros com o intuito de caracterizar as práticas psicológicas que vem sendo exercidas na interface Psicologia e Direito e de promover a renovação e o fortalecimento da ABPJ.
Aos 15/12/2007, na sede do CRP-SP, demos o primeiro passo ao reunirmos docentes de psicologia jurídica, psicólogos que atuam nesta área e estudantes nela interessados.
O momento é de delimitação do campo de conhecimento, de definição das práticas profissionais e de conquista de oportunidades de atuação.
O bonde está passando e estamos te convidando a percorrer conosco este intinerário promissor...
Edson, 16/12/2007

Psicólogo nas Sessões de Conciliação

Setor de Conciliação da Família: criando o espaço social da escuta e da fala do emocional.
Síntese
A partir de uma experiência de inclusão de estagiários do 5o ano de psicologia nas sessões do Setor de Conciliação de uma Vara de Família procede-se a uma análise dos processos psicológicos mobilizados e da participação destes na produção de resultados tidos como bastante satisfatórios. Argumenta-se que a presença de um porta-voz do saber psicológico nas audiências de conciliação possibilitou ouvir-se o parecer do especialista no decorrer da própria audiência, visto ser a psicologia o saber competente para dirimir discordâncias entre os envolvidos quanto a como assegurar o melhor desenvolvimento psicológico da criança e quanto a como melhor lidar com os sentimentos suscitados no decorrer de uma separação conjugal. Enfatiza-se que, por força do papel social do psicólogo, sua presença nas sessões de conciliação criou o espaço social para a fala e a escuta do emocional, até então inexistente, autorizando os envolvidos a ali falar sobre seus sentimentos e emoções: seja no decorrer da própria audiência, dentro dos limites estabelecidos pelos envolvidos; seja em rápidas entrevistas psicológicas realizadas com os mesmos, ali e naquele momento; seja no estudo psicológico focal da família agendado para realização na Clínica da Universidade. Ressalta-se que estes últimos procedimentos constituíram-se na oportunidade de um atendimento psicológico dentro dos rigores do enquadre clínico: dependiam da aceitação dos envolvidos e incluíam apenas estes e o psicólogo; não implicavam na produção de qualquer conclusão técnica a ser apresentada na sessão, nem de qualquer laudo, parecer ou relatório a ser juntado aos autos; não se realizava a serviço da Justiça e nem em prol do acordo, do entendimento ou da conciliação. Conclui-se que os resultados obtidos decorreram de se ter implantado um atendimento psicológico completamente exorcizado de toda e qualquer alusão à função pericial.

CRIANDO O ESPAÇO SOCIAL DA ESCUTA E DA FALA DO EMOCIONAL COM A INCLUSÃO DE UM ESTAGIÁRIO DE PSICOLOGIA NAS SESSÕES DE CONCILIAÇÃO DE UMA VARA DE FAMÍLIA

Na experiência que realizamos de inclusão de um estagiário de psicologia nas sessões do Setor de Conciliação da Família, ele estava orientado a manifestar-se sobre os temas relacionados ao saber psicológico que aflorassem, a oferecer aos envolvidos a oportunidade de rápida entrevista psicológica ali e naquele momento, durante uma breve interrupção da sessão para esse fim, como também a proceder ao agendamento de um estudo psicológico com a família focalizado sobre a demanda judicial, a ser conduzido por ele, na Clínica da Universidade.

A presença do psicólogo na sessão de conciliação permitia ouvir e questionar a opinião do especialista ali e naquele momento. As rápidas entrevistas psicológicas realizadas ali e naquele momento, fator decisivo para assegurar o foco, assim como o estudo psicológico focal realizado na Clínica da Universidade, foram estruturados de forma a exorcizar-se toda e qualquer alusão à função pericial e, ao mesmo tempo, buscando otimizar o quantun de enquadre produzido pela função social do psicólogo.

O psicólogo presente à sessão de conciliação não fazia conciliação, nem mediação. Não buscava o acordo, nem o entendimento. Não se colocava a serviço do conciliador, nem do poder judiciário. Não aspirava a fazer justiça. Escutava os envolvidos enquanto psicólogo clínico e falava a todos enquanto especialista, submetendo-se aos limites estabelecidos por aqueles, aos quais reconhecia como os beneficiários de sua intervenção. Oferecia oportunidades de entrevistas psicológicas, ali e naquele momento, e de atendimento psicológico focal ao grupo familiar, posteriormente. Suas intervenções não visavam a formulação de uma opinião técnica a ser apresentada na sessão; não intencionava a produção de qualquer laudo, parecer ou relatório a ser juntado aos autos.

CONCLUSÃO

O psicólogo presente à sessão de conciliação não exercia e não devia exercer a psicologia judiciária; não devia colocar-se como assistente técnico e nem se conceber como um psicólogo jurídico, devia, apenas e tão somente ser um psicólogo clínico na mais rigorosa acepção do termo. Não aspirava, nem se identificava com os papéis de conciliador, de mediador ou de juiz.

Sua grande contribuição, neste contexto, correspondia à formalização da criação do espaço social para escuta e a fala do emocional: mera decorrência de sua inclusão nas sessões de conciliação por força da otimização do enquadre produzido pela função social do psicólogo. Foi o bastante para que passassem a ocorrer mudanças de posturas dos envolvidos no âmbito da conciliação do litígio, enquanto meras decorrências da ampliação do conflito verbalizado, da minimização de seus viézes e do afrouxamento das defesas psicológicas mobilizadas. Efeitos absolutamente condizentes com a mais corriqueira das intervenções do psicólogo clínico e em plena consonância com os princípios fundamentais da ética do profissional psicólogo.

sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A constituição da lide nas Varas de Família

A ESPIRAL E A PIRÂMIDE

O conflito vivencial intrafamiliar pode ser representado por uma espiral, ora expandida, ora semi-expandida, ora toda retraída, ocupando nestes diferentes momentos maior ou menor espaço na vida familiar; perturbando-a mais ou menos.
Levado à apreciação da Justiça tal conflito passa a ser moldado às figuras e formas de proceder próprias do âmbito jurídico, ou seja, é tornado lide. Esta moldagem da espiral do conflito intrafamiliar corresponde a um enquadramento do vivenciado a estruturas preexistentes no proceder jurídico, necessário para torná-lo operacionalizável neste âmbito. Desta forma, a espiral do conflito vivencial passa a ser conformada à pirâmide de poder estruturante das relações jurídicas e a ela fica submetida.

No topo dessa pirâmide temos a figura do Juiz, que instrui o processo determinando a produção de provas relevantes para a formação de sua convicção (o laudo do estudo psicossocial realizado sob determinação judicial constitui-se numa prova de tipo pericial); na base o requerente e seu advogado; o requerido e seu advogado.

Importante reconhecer que o gesto de recorrer à Justiça corresponde à decisão de buscar a solução do conflito intrafamiliar neste âmbito, ou seja, enquanto direitos não respeitados e deveres não cumpridos. Assim, ainda que a mediação/conciliação de conflitos intrafamiliares no âmbito da Justiça incorpore escandalosamente o trato com temas sobre os quais a psicologia é reconhecida como um saber competente para produzir enunciados com status de verdade, não se pode perder de vista que, ao procurar um advogado, os envolvidos estão elegendo o saber do direito como o competente para a resolução do conflito intrafamiliar.

Ressalte-se ainda que tais procederes são instituídos pelo saber do direito enquanto alternativas para a resolução de conflitos, ou seja, constituem-se em áreas de aplicação deste saber, ainda que dentro de um enfoque multidisciplinar e mesmo que se admita a sua condução por outros profissionais.

O processo de constituição da lide nas Varas de Família desenrola-se a partir do momento em que uma das partes procura um advogado e lhe relata uma história de um conflito relacional de forma a consubstanciar a solicitação de seus serviços no sentido de formalizar uma separação em curso. Desnecessário demonstrar que tal relato detém uma temática nitidamente emocional.

Note-se que este conflito verbalizado é uma breve e intencional seleção das inúmeras insatisfações que permeiam a história relacional dos envolvidos, ou seja, há uma multiplicidade de elementos que deixam de ser verbalizados sob a ação do contexto em que é produzido e sob a atuação de fatores enviezantes, dentre estes:
1) o dos interesses atuais de quem o produz (por exemplo, o interesse de convencer o advogado a aceitar a causa e de que o melhor é que guarda dos filhos, por exemplo, lhe seja atribuída);
2) o das defesas psicológicas acionadas para tornar afetivamente suportável a efetivação da separação (p. ex., a necessidade de só ver os defeitos do outro);
3) o dos medos suscitados pela própria separação (p. ex., o medo de perder os filhos, de ficar sem a casa, de vir a enfrentar dificuldades de subsistência).

O conflito verbalizado, ou seja, o histórico relatado dos motivos que conduziram à decisão de separação acrescido das proposições de como deve passar a se organizar a família separada, tal qual produzido por aquele que está recorrendo ao advogado, corresponde ao conteúdo explicitado de conflitos intrafamiliares que se engendraram no desenrolar do acontecer da relação conjugal, trazendo em seu bojo complexas tramas emocionais constituídas ao longo de uma história relacional, as quais aparecem apenas suscitadas pelas emoções e posicionamentos apreendidos pelo advogado no decorrer do relato e pela análise da proposição de como deve passar a ser a nova organização familiar.

Assim, subjacente ao conflito verbalizado sabemos existir todo um amplo conjunto de vivências conflituosas que não foram relatadas, o qual passaremos a nomear por conflito não verbalizado. É nas vivências conflituosas não relatadas que entendemos estar a fonte da energia psíquica que sustém os posicionamentos mantidos no decorrer da demanda jurídica, como também das ambigüidades e indecisões apreendidas pelos profissionais acionados.

Uma das motivações para que tais vivências sejam suprimidas do conflito verbalizado advém do fato de serem dissonantes da posição afetiva que se passou a assumir ao se resolver proceder à separação e/ou por não confirmarem a nova organização familiar proposta. Tal supressão também pode ser motivada pelo fato de vincularem-se a vivências marcadas por intenso sofrimento e, inclusive, por estarem submetidas à repressão.

Recorrendo à clássica analogia com o iceberg, temos: o conflito verbalizado é a ponta do iceberg, enquanto o conflito não verbalizado corresponde a toda a parte submersa e que é bem mais volumosa do que aquela que vemos flutuando; os vieses e as defesas psicológicas mobilizadas situam-se na intersecção entre o submerso e o flutuante, oscilando a sua parte visível em função do movimentar das ondas; a lide é a sombra da ponta do iceberg projetada sobre a superfície das águas do gélido mar dos procederes jurídicos, neste oceano do universo relacional.

Há ainda um fator externo a motivar a supressão de tais vivências, que é a ausência de espaço social para a sua expressão no âmbito dos procederes jurídicos desenvolvidos para o trato com os conflitos intrafamiliares. Mesmo os Setores de Conciliação da Família, tal qual criados, implantados e disciplinados pelo provimento 953/05, prevêem as figuras do conciliador/mediador e dos advogados, em última análise, todos porta-vozes do saber do Direito. Admitem que aqueles acionem um especialista, por exemplo um psicólogo ou assistente social, mas a serviço do esforço de mediação/conciliação. Ou seja, tais procedimentos sabem refletir os objetivos do saber do Direito, mas ainda não se deixaram contaminar pelos objetivos próprios dos saberes psicológicos e social. Sendo assim, ainda não se constituem, verdadeiramente, em intervenções interdisciplinares.

Ainda que seja um truismo que a temática emocional subjaz e alimenta as demandas judiciais das varas de família e que se reconheça a psicologia como um dos saberes com competências para se pronunciar sobre referida temática e para determinar os modos eficientes de escuta desta mesma temática, ela, tem sido incluída nas práticas judiciárias sob o viés da função pericial, fundamentada, em última análise, nos objetivos do saber do direito.

A serviço e a mando da justiça, o psicólogo judiciário — como também o psicólogo convocado para uma sessão de conciliação, a ele equiparado — numa abordagem clínica, realiza o estudo psicológico com os envolvidos, mas para o juízo. Eis a fonte de uma ambigüidade insuperável no âmbito da psicologia judiciária.

O PROCEDIMENTO PARA A CONSTITUIÇÃO DA LIDE

Reconhecendo o litígio como o objeto privilegiado de ação da Justiça e a lide definida por “um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida” (Manual TJSP, p.17), temos que as práticas judiciárias, apesar de apregoarem o esforço inicial de conciliação, acabam por “sabotar” a busca do entendimento.

Ainda que saibamos que a primeira obrigação do advogar na área de família seja o trabalhar em prol da reconciliação, temos que, ouvido o conflito verbalizado e definidos os termos do pedido, o advogado debruçar-se-á sobre a elaboração da petição inicial, procedendo a uma transcrição, a uma decodificação para as figuras e a linguagem do operar jurídico apresentando-o em termos de direitos não respeitados e de deveres não cumpridos. Inicia-se, assim, o procedimento de constituição da lide.

Na petição inicial o advogado irá relatar a história relacional de seu cliente (o requerente), com o outro (o requerido), de modo a consubstanciar o pretendido. Desta forma, a construção da vida relacional das partes realizada pelo advogado é, inevitavelmente, parcial, pois está alicerçada sobre os interesses de seu cliente e está restrita à breve amostra da história relacional que lhe foi apresentada sob os viéses do conflito verbalizado. Além disso tem por característica projetar a responsabilidade pelos acontecimentos no outro, por força do caráter adversarial do proceder jurídico.

O procedimento para elaboração da resistência (a fala da parte que se opõe ao pretendido) tem as mesmas bases: um outro advogado, diante da verbalização enviezada do conflito pelo seu cliente (o requerido) e da pretensão definida nos autos, e ocupando uma posição igualmente de parcialidade, irá construir uma outra história relacional visando consubstanciar a recusa em atender o pretendido, e o fará contradizendo o alegado pela outra parte e procurando projetar, de volta, a responsabilidade no requerente.

A estratégia de jogar a culpa no outro, vem acompanhada da necessária desqualificação deste enquanto cônjuge, pai ou mãe, e é implicitamente imposta pelo cunho adversarial do proceder jurídico. Comprova-o o fato de a própria legislação civil supor que numa separação conjugal há um culpado e um inocente (veja o artigo 1.578 do Novo Código Civil). O processo é conduzido como se coubesse ao “inocente” ser “indenizado” pelo sofrimento e humilhação que lhe foi imputado pelo “culpado”.

Constituída a lide os atos vão se sucedendo em conformidade com o regramento estabelecido, até o desfecho do processo que é a decisão judicial.

Psicologia Jurídica, Forense e Judiciária

Síntese:
A psicologia judiciária está contida na psicologia forense, que está contida na psicologia jurídica.A psicologia jurídica é o conjunto universo e abrange todas as práticas psicológicas na interface Psicologia e Direito.
A psicologia forense é o subconjunto em que se incluem as práticas psicológicas relacionadas aos procedimentos forenses. É aqui que se encontra o assistente técnico. A psicologia judiciária é um subconjunto desta última e corresponde a toda prática psicológica realizada a mando e a serviço da justiça e, conseqüentemente, submetidas ao princípio da imparcialidade. É aqui que se exerce a função pericial.


INTRODUÇÃO
Lobão (1997), citada por Assis (1999), diferencia a psicologia jurídica (relacionada a qualquer trabalho psicológico desenvolvido junto à ciência do direito) da psicologia judiciária ou forense (aplicada para subsidiar a função de julgar do magistrado). Partiremos desta categorização aprofundando-a pela introdução do princípio de imparcialidade como critério de diferenciação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define as competências do psicólogo judiciário, nome da função-atividade (ou do cargo efetivo) ocupado pelo psicólogo contratado pelo Tribunal de Justiça para atuar nas Varas de Infância e de Juventude e nas Varas de Família e Sucessões, enquanto componente da equipe interprofissional ao lado dos assistentes sociais.

Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico. (ECA, 1990, artigo 151)
PSICOLOGIA JUDICIÁRIA
A psicologia judiciária corresponde à prática profissional do psicólogo judiciário, sendo que toda ela ocorre sob imediata subordinação à autoridade judiciária. O psicólogo judiciário atua a serviço e a mando da justiça e, por isso, submetido ao princípio da imparcialidade, condição imanente a que uma decisão possa ser expressão de Justiça. Inclui, além das práticas exercidas a partir das competências expressas no artigo 151 do ECA, aquelas realizadas por psicólogos do sistema prisional e da rede pública ou privada, quando atuarem sob determinação judicial.
Em última análise, a psicologia aplicada ao campo das práticas jurídicas será judiciária quando submetida ao princípio da imparcialidade, decorrência de seu acontecer a serviço e a mando da Justiça.
PSICOLOGIA FORENSE
A psicologia forense corresponde a toda aplicação do saber psicológico realizada sobre uma situação que se sabe estar (ou estará) sob apreciação judicial, ou seja, a toda a psicologia aplicada no âmbito de um processo ou procedimento em andamento no Foro (ou realizada vislumbrando tal objetivo). Inclue as intervenções exercidas pelo psicólogo judiciário, acrescidas daquelas realizadas pelo psicólogo assistente técnico. Lembremos que são os envolvidos que contratam este último para que ele venha a manifestar-se tecnicamente no contexto de um processo judicial em pról de seus interesses. Fácil reconhecer que o psicólogo assistente técnico fala nos autos a partir de uma posição reconhecidamente parcial, não sendo, por isso, passível de suspeição ou impedimento.A psicologia forense – toda psicologia aplicada no âmbito de um processo ou procedimento em andamento no Foro –, compõe-se da soma das práticas próprias do psicólogo judiciário com aquelas próprias do psicólogo assistente técnico. Dito de outro modo, a psicologia forense inclui tanto as aplicações da psicologia ao campo do direito submetidas ao princípio da imparcialidade (psicologia judiciária), quanto aquelas exercidas a partir de uma posição intrinsecamente parcial (atuação do psicólogo assistente técnico).O juiz ao apreciar nos autos as manifestações do psicólogo assistente técnico tem clareza de que este ali está para avaliar tecnicamente a situação do ponto de vista dos interesses do envolvido que o contratou, e é sob esse crivo que irá incorporá-las ao processo de formação de sua convicção.
PSICOLOGIA JURÍDICA
A psicologia jurídica corresponde a toda aplicação do saber psicológico a questões relacionadas ao saber do direito. A psicologia forense e, por conseguinte, a psicologia judiciária estão nela contidas. Toda e qualquer das práticas da psicologia relacionadas às práticas jurídicas podem ser nomeadas como psicologia jurídica, neste caso apenas se está renunciando a discriminá-las a partir das características próprias de cada uma delas, ou seja, não se estará levando em conta tratar-se de uma prática submetida ao princípio da imparcialidade ou de uma prática nitidamente parcial ou, ainda, de uma prática à qual não se aplica ponderações relacionadas a parcialidade/imparcialidade. Psicologia jurídica é uma denominação genérica das aplicações da psicologia relacionadas às práticas jurídicas, enquanto psicologia forense e psicologia judiciária são especificidades aí reconhecíveis e discrimináveis. O acadêmico que produz um artigo discutindo as interfaces entre a psicologia e o direito; o psicólogo assistente técnico que questiona as conclusões de um estudo psicológico elaborado por um psicólogo judiciário; como também o psicólogo judiciário que elabora uma dissertação de mestrado a partir de sua prática cotidiana no Foro, todos são praticantes da psicologia jurídica. Perceba-se que, neste âmbito, se incluem tanto os psicólogos que atuam submetidos ao princípio de imparcialidade (os psicólogos judiciários e aqueles a ele equiparados), quanto aqueles que atuam não submetidos a este princípio, mas cujas intervenções se dão no âmbito dos procedimentos jurídicos (os psicólogos assistentes técnicos) e, além destes, todo tipo de produção relacionada às questões próprias das práticas judiciárias.

O PSICÓLOGO ESPECIALISTA EM PSICOLOGIA JURÍDICA
COMENTÁRIOS À RESOLUÇÃO 02/2001 - CFP

O Conselho Federal de Psicologia através da resolução N°014/2000, alterada e regulamentada pela Resolução 02/2001, instituiu o Título de Especialista em Psicologia Jurídica e listou suas atribuições. Agrupando-se as atribuições de cunho genérico, constata-se o reconhecimento, dentre outras, da atuação do psicólogo jurídico enquanto perito judicial, ao lado da preocupação em caracterizá-lo como a serviço das pessoas a quem está atendendo.

"[O psicólogo Especialista em Psicologia Jurídica] atua no âmbito da Justiça, colaborando no planejamento e execução de políticas de cidadania, direitos humanos e prevenção da violência, centrando sua atuação na orientação do dado psicológico repassado não só para os juristas como também aos indivíduos que carecem de tal intervenção, para possibilitar a avaliação das características de personalidade e fornecer subsídios ao processo judicial, além de contribuir para a formulação, revisão e interpretação das leis: (...) atua como perito judicial nas varas cíveis, criminais, Justiça do Trabalho, da família, da criança e do adolescente, elaborando laudos, pareceres e perícias, para serem anexados aos processos, afim de realizar atendimento e orientação a crianças, adolescentes, detentos e seus familiares (grifo nosso); (...) participa de audiência, prestando informações, para esclarecer aspectos técnicos em psicologia a leigos ou leitores do trabalho pericial psicológico; (...) elabora petições sempre que solicitar alguma providência ou haja necessidade de comunicar-se com o juiz durante a execução de perícias, para serem juntadas aos processos; (...) realiza pesquisa visando à construção e ampliação do conhecimento psicológico aplicado ao campo do direito" (RESOLUÇÃO 02/2001 do CPF, pp. 10-11).
Na mesma resolução é possível, ainda, agrupar as atribuições atinentes ao trabalho nas varas de família e nas de infância e juventude. Parece-nos que se procurou minimizar a função pericial e se enfatizou as intervenções voltadas à promoção da saúde psicossocial dos envolvidos.

"avalia as condições intelectuais e emocionais de crianças, adolescentes (...) em conexão com processos jurídicos, seja por (...) testamentos contestados, aceitação em lares adotivos, posse e guarda de crianças, aplicando métodos e técnicas psicológicas e/ou de psicometria;
(...) realiza atendimento psicológico a indivíduos o que buscam a Vara de Família, fazendo diagnósticos e usando terapêuticas próprias, para organizar e resolver questões levantadas;
(...) atua em pesquisas e programas sócio-educativos e de prevenção à violência, construindo ou adaptando instrumentos de investigação psicológica, para atender às necessidades de crianças e adolescentes em situação de risco, abandonados ou infratores;
(...) realiza orientação psicológica a casais antes da entrada nupcial da petição, assim como das audiências de conciliação;
realiza atendimento a crianças envolvidas em situações que chegam às instituições de direito, visando a preservação de sua saúde mental; auxilia juizados na avaliação e assistência psicológica de menores e seus familiares, bem como assessorá-los no encaminhamento a terapia psicológica quando necessário. (Idem, Ibidem).


Por fim, também são agrupáveis aquelas atribuições relacionadas ao trabalho no sistema prisional. Nestas, entendemos, à função pericial adjudicaram-se intervenções voltadas à humanização dos presídios, ao aprimoramento de sua função ressocializadora e à promoção da saúde mental dos detentos e de seus familares.

avalia as condições intelectuais e emocionais de (...) adultos em conexão com processos jurídicos, seja por deficiência mental ou insanidade (...), aplicando métodos e técnicas psicológicas e/ou de psicometria, para determinar a responsabilidade legal por atos criminosos;
(...) orienta a administração e os colegiados do sistema penitenciário sob o ponto de vista psicológico, usando métodos e técnicas adequados, para estabelecer tarefas educativas e profissionais que os internos possam exercer nos estabelecimentos penais;
(...) realiza avaliação das características da personalidade, através de triagem psicológica, avaliação de periculosidade e outros exames psicológicos no sistema penitenciário, para os casos de pedidos de benefícios, tais como transferência para outro estabelecimento semi-aberto, livramento condicional e/ou semelhantes;
assessora a administração penal na formulação de políticas penais e no treinamento de pessoal para aplicá-los;
(...) presta atendimento e orientação a detentos e seus familiares visando a preservação da saúde; acompanha detentos em liberdade condicional, na internação em hospital pen itenciário, bem como atua no apoio psicológico à sua família; desenvolve estudos e pesquisas na área criminal, constituindo ou adaptando instrumentos de investigação psicológica (RESOLUÇÃO 02/2001 do CFP, pp. 10-11).


É perceptível a ênfase na caracterização das intervenções do psicólogo jurídico em benefício das pessoas a quem está atendendo, seja a criança, o adolescente e seus familiares, o casal sob litígio, o detento e sua família. Paradoxalmente, também se deu ênfase à função pericial do psicólogo jurídico. Entendemos que tal resolução propõe ao psicólogo jurídico conduzir suas intervenções de forma a promover a saúde psicossocial dos envolvidos, ao mesmo tempo em que cumpre as exigências próprias do papel de perito (avaliação das características de personalidade e fornecimento de subsídios ao processo judicial, elaboração de laudos, pareceres e perícias para serem anexados ao processo, e outros).
Note-se que não se discrimina se o ato gerador da intervenção do psicólogo se origina na instituição judiciária ou se decorre de contratação pelos envolvidos. Quando gerado pela instituição judiciária estamos diante da perícia exercida em nome dos interesses da sociedade, tal qual a legislação os define, ocorrendo pautada na ética da profissão e submetida ao princípio de imparcialidade; se decorre de contratação pelos envolvidos caracteriza-se como assistência técnica, igualmente fundada na ética da profissão, mas não submetida ao princípio de imparcialidade.