sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

Psicologia Jurídica, Forense e Judiciária

Síntese:
A psicologia judiciária está contida na psicologia forense, que está contida na psicologia jurídica.A psicologia jurídica é o conjunto universo e abrange todas as práticas psicológicas na interface Psicologia e Direito.
A psicologia forense é o subconjunto em que se incluem as práticas psicológicas relacionadas aos procedimentos forenses. É aqui que se encontra o assistente técnico. A psicologia judiciária é um subconjunto desta última e corresponde a toda prática psicológica realizada a mando e a serviço da justiça e, conseqüentemente, submetidas ao princípio da imparcialidade. É aqui que se exerce a função pericial.


INTRODUÇÃO
Lobão (1997), citada por Assis (1999), diferencia a psicologia jurídica (relacionada a qualquer trabalho psicológico desenvolvido junto à ciência do direito) da psicologia judiciária ou forense (aplicada para subsidiar a função de julgar do magistrado). Partiremos desta categorização aprofundando-a pela introdução do princípio de imparcialidade como critério de diferenciação.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) define as competências do psicólogo judiciário, nome da função-atividade (ou do cargo efetivo) ocupado pelo psicólogo contratado pelo Tribunal de Justiça para atuar nas Varas de Infância e de Juventude e nas Varas de Família e Sucessões, enquanto componente da equipe interprofissional ao lado dos assistentes sociais.

Compete à equipe interprofissional, dentre outras atribuições que lhe forem reservadas pela legislação local, fornecer subsídios por escrito, mediante laudos, ou verbalmente, na audiência, e bem assim desenvolver trabalhos de aconselhamento, orientação, encaminhamento, prevenção e outros, tudo sob a imediata subordinação à autoridade judiciária, assegurada a livre manifestação do ponto de vista técnico. (ECA, 1990, artigo 151)
PSICOLOGIA JUDICIÁRIA
A psicologia judiciária corresponde à prática profissional do psicólogo judiciário, sendo que toda ela ocorre sob imediata subordinação à autoridade judiciária. O psicólogo judiciário atua a serviço e a mando da justiça e, por isso, submetido ao princípio da imparcialidade, condição imanente a que uma decisão possa ser expressão de Justiça. Inclui, além das práticas exercidas a partir das competências expressas no artigo 151 do ECA, aquelas realizadas por psicólogos do sistema prisional e da rede pública ou privada, quando atuarem sob determinação judicial.
Em última análise, a psicologia aplicada ao campo das práticas jurídicas será judiciária quando submetida ao princípio da imparcialidade, decorrência de seu acontecer a serviço e a mando da Justiça.
PSICOLOGIA FORENSE
A psicologia forense corresponde a toda aplicação do saber psicológico realizada sobre uma situação que se sabe estar (ou estará) sob apreciação judicial, ou seja, a toda a psicologia aplicada no âmbito de um processo ou procedimento em andamento no Foro (ou realizada vislumbrando tal objetivo). Inclue as intervenções exercidas pelo psicólogo judiciário, acrescidas daquelas realizadas pelo psicólogo assistente técnico. Lembremos que são os envolvidos que contratam este último para que ele venha a manifestar-se tecnicamente no contexto de um processo judicial em pról de seus interesses. Fácil reconhecer que o psicólogo assistente técnico fala nos autos a partir de uma posição reconhecidamente parcial, não sendo, por isso, passível de suspeição ou impedimento.A psicologia forense – toda psicologia aplicada no âmbito de um processo ou procedimento em andamento no Foro –, compõe-se da soma das práticas próprias do psicólogo judiciário com aquelas próprias do psicólogo assistente técnico. Dito de outro modo, a psicologia forense inclui tanto as aplicações da psicologia ao campo do direito submetidas ao princípio da imparcialidade (psicologia judiciária), quanto aquelas exercidas a partir de uma posição intrinsecamente parcial (atuação do psicólogo assistente técnico).O juiz ao apreciar nos autos as manifestações do psicólogo assistente técnico tem clareza de que este ali está para avaliar tecnicamente a situação do ponto de vista dos interesses do envolvido que o contratou, e é sob esse crivo que irá incorporá-las ao processo de formação de sua convicção.
PSICOLOGIA JURÍDICA
A psicologia jurídica corresponde a toda aplicação do saber psicológico a questões relacionadas ao saber do direito. A psicologia forense e, por conseguinte, a psicologia judiciária estão nela contidas. Toda e qualquer das práticas da psicologia relacionadas às práticas jurídicas podem ser nomeadas como psicologia jurídica, neste caso apenas se está renunciando a discriminá-las a partir das características próprias de cada uma delas, ou seja, não se estará levando em conta tratar-se de uma prática submetida ao princípio da imparcialidade ou de uma prática nitidamente parcial ou, ainda, de uma prática à qual não se aplica ponderações relacionadas a parcialidade/imparcialidade. Psicologia jurídica é uma denominação genérica das aplicações da psicologia relacionadas às práticas jurídicas, enquanto psicologia forense e psicologia judiciária são especificidades aí reconhecíveis e discrimináveis. O acadêmico que produz um artigo discutindo as interfaces entre a psicologia e o direito; o psicólogo assistente técnico que questiona as conclusões de um estudo psicológico elaborado por um psicólogo judiciário; como também o psicólogo judiciário que elabora uma dissertação de mestrado a partir de sua prática cotidiana no Foro, todos são praticantes da psicologia jurídica. Perceba-se que, neste âmbito, se incluem tanto os psicólogos que atuam submetidos ao princípio de imparcialidade (os psicólogos judiciários e aqueles a ele equiparados), quanto aqueles que atuam não submetidos a este princípio, mas cujas intervenções se dão no âmbito dos procedimentos jurídicos (os psicólogos assistentes técnicos) e, além destes, todo tipo de produção relacionada às questões próprias das práticas judiciárias.

O PSICÓLOGO ESPECIALISTA EM PSICOLOGIA JURÍDICA
COMENTÁRIOS À RESOLUÇÃO 02/2001 - CFP

O Conselho Federal de Psicologia através da resolução N°014/2000, alterada e regulamentada pela Resolução 02/2001, instituiu o Título de Especialista em Psicologia Jurídica e listou suas atribuições. Agrupando-se as atribuições de cunho genérico, constata-se o reconhecimento, dentre outras, da atuação do psicólogo jurídico enquanto perito judicial, ao lado da preocupação em caracterizá-lo como a serviço das pessoas a quem está atendendo.

"[O psicólogo Especialista em Psicologia Jurídica] atua no âmbito da Justiça, colaborando no planejamento e execução de políticas de cidadania, direitos humanos e prevenção da violência, centrando sua atuação na orientação do dado psicológico repassado não só para os juristas como também aos indivíduos que carecem de tal intervenção, para possibilitar a avaliação das características de personalidade e fornecer subsídios ao processo judicial, além de contribuir para a formulação, revisão e interpretação das leis: (...) atua como perito judicial nas varas cíveis, criminais, Justiça do Trabalho, da família, da criança e do adolescente, elaborando laudos, pareceres e perícias, para serem anexados aos processos, afim de realizar atendimento e orientação a crianças, adolescentes, detentos e seus familiares (grifo nosso); (...) participa de audiência, prestando informações, para esclarecer aspectos técnicos em psicologia a leigos ou leitores do trabalho pericial psicológico; (...) elabora petições sempre que solicitar alguma providência ou haja necessidade de comunicar-se com o juiz durante a execução de perícias, para serem juntadas aos processos; (...) realiza pesquisa visando à construção e ampliação do conhecimento psicológico aplicado ao campo do direito" (RESOLUÇÃO 02/2001 do CPF, pp. 10-11).
Na mesma resolução é possível, ainda, agrupar as atribuições atinentes ao trabalho nas varas de família e nas de infância e juventude. Parece-nos que se procurou minimizar a função pericial e se enfatizou as intervenções voltadas à promoção da saúde psicossocial dos envolvidos.

"avalia as condições intelectuais e emocionais de crianças, adolescentes (...) em conexão com processos jurídicos, seja por (...) testamentos contestados, aceitação em lares adotivos, posse e guarda de crianças, aplicando métodos e técnicas psicológicas e/ou de psicometria;
(...) realiza atendimento psicológico a indivíduos o que buscam a Vara de Família, fazendo diagnósticos e usando terapêuticas próprias, para organizar e resolver questões levantadas;
(...) atua em pesquisas e programas sócio-educativos e de prevenção à violência, construindo ou adaptando instrumentos de investigação psicológica, para atender às necessidades de crianças e adolescentes em situação de risco, abandonados ou infratores;
(...) realiza orientação psicológica a casais antes da entrada nupcial da petição, assim como das audiências de conciliação;
realiza atendimento a crianças envolvidas em situações que chegam às instituições de direito, visando a preservação de sua saúde mental; auxilia juizados na avaliação e assistência psicológica de menores e seus familiares, bem como assessorá-los no encaminhamento a terapia psicológica quando necessário. (Idem, Ibidem).


Por fim, também são agrupáveis aquelas atribuições relacionadas ao trabalho no sistema prisional. Nestas, entendemos, à função pericial adjudicaram-se intervenções voltadas à humanização dos presídios, ao aprimoramento de sua função ressocializadora e à promoção da saúde mental dos detentos e de seus familares.

avalia as condições intelectuais e emocionais de (...) adultos em conexão com processos jurídicos, seja por deficiência mental ou insanidade (...), aplicando métodos e técnicas psicológicas e/ou de psicometria, para determinar a responsabilidade legal por atos criminosos;
(...) orienta a administração e os colegiados do sistema penitenciário sob o ponto de vista psicológico, usando métodos e técnicas adequados, para estabelecer tarefas educativas e profissionais que os internos possam exercer nos estabelecimentos penais;
(...) realiza avaliação das características da personalidade, através de triagem psicológica, avaliação de periculosidade e outros exames psicológicos no sistema penitenciário, para os casos de pedidos de benefícios, tais como transferência para outro estabelecimento semi-aberto, livramento condicional e/ou semelhantes;
assessora a administração penal na formulação de políticas penais e no treinamento de pessoal para aplicá-los;
(...) presta atendimento e orientação a detentos e seus familiares visando a preservação da saúde; acompanha detentos em liberdade condicional, na internação em hospital pen itenciário, bem como atua no apoio psicológico à sua família; desenvolve estudos e pesquisas na área criminal, constituindo ou adaptando instrumentos de investigação psicológica (RESOLUÇÃO 02/2001 do CFP, pp. 10-11).


É perceptível a ênfase na caracterização das intervenções do psicólogo jurídico em benefício das pessoas a quem está atendendo, seja a criança, o adolescente e seus familiares, o casal sob litígio, o detento e sua família. Paradoxalmente, também se deu ênfase à função pericial do psicólogo jurídico. Entendemos que tal resolução propõe ao psicólogo jurídico conduzir suas intervenções de forma a promover a saúde psicossocial dos envolvidos, ao mesmo tempo em que cumpre as exigências próprias do papel de perito (avaliação das características de personalidade e fornecimento de subsídios ao processo judicial, elaboração de laudos, pareceres e perícias para serem anexados ao processo, e outros).
Note-se que não se discrimina se o ato gerador da intervenção do psicólogo se origina na instituição judiciária ou se decorre de contratação pelos envolvidos. Quando gerado pela instituição judiciária estamos diante da perícia exercida em nome dos interesses da sociedade, tal qual a legislação os define, ocorrendo pautada na ética da profissão e submetida ao princípio de imparcialidade; se decorre de contratação pelos envolvidos caracteriza-se como assistência técnica, igualmente fundada na ética da profissão, mas não submetida ao princípio de imparcialidade.

4 comentários:

Enxurrada disse...

to do artigo.
estou estudando para o concurso da secretaria de justiça e direitos humanos e tenho percebido que muitas pessoas não fazem a distinção entre psicologia juridica e psicologia forense.

o sr. tem outros artigos sobre este tema?

Edson Alves de Oliveira disse...

André,
Pensando em termos de concursos, creio preferível que vc se atenha ä distinção inicial proposta por Lobão, no livro Temas de Psicologia Jurídica.
A distinção que aqui apresento não foi publica em revista referenciada, nem em livro, por conseguinte, ainda não compõem o saber psicológico vigente.
Grato. Edson

Unknown disse...

Prezado Professor,

No caso do psicólogo clínico que atua como assistente técnico em perícias judiciais, como podemos nomear corretamente sua função? O profissional é:
(1) Assistente Técnico Jurídico, (2) Assistente Técnico Pericial, (3) Assistente Técnico Jucidical ou (4) Assistente Técnico Judiciário? Agradeço sua atençao!

Alessandra Bispo disse...

Professor,
Minha dúvida é simples porém já pesquisei muito e não encontrei resposta pra uma pergunta acredito até tosca: Qual o curso superior adequado pra quem quer se profissionalizar em psicologia jurídica ou forense? Qual o primeiro passo pra quem só tem o ensino médio completo? Existe vários tipos de psicologia nos cursos das universidades e faculdades ou apenas a psicologia em si?
Muito obrigada.