sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

A constituição da lide nas Varas de Família

A ESPIRAL E A PIRÂMIDE

O conflito vivencial intrafamiliar pode ser representado por uma espiral, ora expandida, ora semi-expandida, ora toda retraída, ocupando nestes diferentes momentos maior ou menor espaço na vida familiar; perturbando-a mais ou menos.
Levado à apreciação da Justiça tal conflito passa a ser moldado às figuras e formas de proceder próprias do âmbito jurídico, ou seja, é tornado lide. Esta moldagem da espiral do conflito intrafamiliar corresponde a um enquadramento do vivenciado a estruturas preexistentes no proceder jurídico, necessário para torná-lo operacionalizável neste âmbito. Desta forma, a espiral do conflito vivencial passa a ser conformada à pirâmide de poder estruturante das relações jurídicas e a ela fica submetida.

No topo dessa pirâmide temos a figura do Juiz, que instrui o processo determinando a produção de provas relevantes para a formação de sua convicção (o laudo do estudo psicossocial realizado sob determinação judicial constitui-se numa prova de tipo pericial); na base o requerente e seu advogado; o requerido e seu advogado.

Importante reconhecer que o gesto de recorrer à Justiça corresponde à decisão de buscar a solução do conflito intrafamiliar neste âmbito, ou seja, enquanto direitos não respeitados e deveres não cumpridos. Assim, ainda que a mediação/conciliação de conflitos intrafamiliares no âmbito da Justiça incorpore escandalosamente o trato com temas sobre os quais a psicologia é reconhecida como um saber competente para produzir enunciados com status de verdade, não se pode perder de vista que, ao procurar um advogado, os envolvidos estão elegendo o saber do direito como o competente para a resolução do conflito intrafamiliar.

Ressalte-se ainda que tais procederes são instituídos pelo saber do direito enquanto alternativas para a resolução de conflitos, ou seja, constituem-se em áreas de aplicação deste saber, ainda que dentro de um enfoque multidisciplinar e mesmo que se admita a sua condução por outros profissionais.

O processo de constituição da lide nas Varas de Família desenrola-se a partir do momento em que uma das partes procura um advogado e lhe relata uma história de um conflito relacional de forma a consubstanciar a solicitação de seus serviços no sentido de formalizar uma separação em curso. Desnecessário demonstrar que tal relato detém uma temática nitidamente emocional.

Note-se que este conflito verbalizado é uma breve e intencional seleção das inúmeras insatisfações que permeiam a história relacional dos envolvidos, ou seja, há uma multiplicidade de elementos que deixam de ser verbalizados sob a ação do contexto em que é produzido e sob a atuação de fatores enviezantes, dentre estes:
1) o dos interesses atuais de quem o produz (por exemplo, o interesse de convencer o advogado a aceitar a causa e de que o melhor é que guarda dos filhos, por exemplo, lhe seja atribuída);
2) o das defesas psicológicas acionadas para tornar afetivamente suportável a efetivação da separação (p. ex., a necessidade de só ver os defeitos do outro);
3) o dos medos suscitados pela própria separação (p. ex., o medo de perder os filhos, de ficar sem a casa, de vir a enfrentar dificuldades de subsistência).

O conflito verbalizado, ou seja, o histórico relatado dos motivos que conduziram à decisão de separação acrescido das proposições de como deve passar a se organizar a família separada, tal qual produzido por aquele que está recorrendo ao advogado, corresponde ao conteúdo explicitado de conflitos intrafamiliares que se engendraram no desenrolar do acontecer da relação conjugal, trazendo em seu bojo complexas tramas emocionais constituídas ao longo de uma história relacional, as quais aparecem apenas suscitadas pelas emoções e posicionamentos apreendidos pelo advogado no decorrer do relato e pela análise da proposição de como deve passar a ser a nova organização familiar.

Assim, subjacente ao conflito verbalizado sabemos existir todo um amplo conjunto de vivências conflituosas que não foram relatadas, o qual passaremos a nomear por conflito não verbalizado. É nas vivências conflituosas não relatadas que entendemos estar a fonte da energia psíquica que sustém os posicionamentos mantidos no decorrer da demanda jurídica, como também das ambigüidades e indecisões apreendidas pelos profissionais acionados.

Uma das motivações para que tais vivências sejam suprimidas do conflito verbalizado advém do fato de serem dissonantes da posição afetiva que se passou a assumir ao se resolver proceder à separação e/ou por não confirmarem a nova organização familiar proposta. Tal supressão também pode ser motivada pelo fato de vincularem-se a vivências marcadas por intenso sofrimento e, inclusive, por estarem submetidas à repressão.

Recorrendo à clássica analogia com o iceberg, temos: o conflito verbalizado é a ponta do iceberg, enquanto o conflito não verbalizado corresponde a toda a parte submersa e que é bem mais volumosa do que aquela que vemos flutuando; os vieses e as defesas psicológicas mobilizadas situam-se na intersecção entre o submerso e o flutuante, oscilando a sua parte visível em função do movimentar das ondas; a lide é a sombra da ponta do iceberg projetada sobre a superfície das águas do gélido mar dos procederes jurídicos, neste oceano do universo relacional.

Há ainda um fator externo a motivar a supressão de tais vivências, que é a ausência de espaço social para a sua expressão no âmbito dos procederes jurídicos desenvolvidos para o trato com os conflitos intrafamiliares. Mesmo os Setores de Conciliação da Família, tal qual criados, implantados e disciplinados pelo provimento 953/05, prevêem as figuras do conciliador/mediador e dos advogados, em última análise, todos porta-vozes do saber do Direito. Admitem que aqueles acionem um especialista, por exemplo um psicólogo ou assistente social, mas a serviço do esforço de mediação/conciliação. Ou seja, tais procedimentos sabem refletir os objetivos do saber do Direito, mas ainda não se deixaram contaminar pelos objetivos próprios dos saberes psicológicos e social. Sendo assim, ainda não se constituem, verdadeiramente, em intervenções interdisciplinares.

Ainda que seja um truismo que a temática emocional subjaz e alimenta as demandas judiciais das varas de família e que se reconheça a psicologia como um dos saberes com competências para se pronunciar sobre referida temática e para determinar os modos eficientes de escuta desta mesma temática, ela, tem sido incluída nas práticas judiciárias sob o viés da função pericial, fundamentada, em última análise, nos objetivos do saber do direito.

A serviço e a mando da justiça, o psicólogo judiciário — como também o psicólogo convocado para uma sessão de conciliação, a ele equiparado — numa abordagem clínica, realiza o estudo psicológico com os envolvidos, mas para o juízo. Eis a fonte de uma ambigüidade insuperável no âmbito da psicologia judiciária.

O PROCEDIMENTO PARA A CONSTITUIÇÃO DA LIDE

Reconhecendo o litígio como o objeto privilegiado de ação da Justiça e a lide definida por “um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida” (Manual TJSP, p.17), temos que as práticas judiciárias, apesar de apregoarem o esforço inicial de conciliação, acabam por “sabotar” a busca do entendimento.

Ainda que saibamos que a primeira obrigação do advogar na área de família seja o trabalhar em prol da reconciliação, temos que, ouvido o conflito verbalizado e definidos os termos do pedido, o advogado debruçar-se-á sobre a elaboração da petição inicial, procedendo a uma transcrição, a uma decodificação para as figuras e a linguagem do operar jurídico apresentando-o em termos de direitos não respeitados e de deveres não cumpridos. Inicia-se, assim, o procedimento de constituição da lide.

Na petição inicial o advogado irá relatar a história relacional de seu cliente (o requerente), com o outro (o requerido), de modo a consubstanciar o pretendido. Desta forma, a construção da vida relacional das partes realizada pelo advogado é, inevitavelmente, parcial, pois está alicerçada sobre os interesses de seu cliente e está restrita à breve amostra da história relacional que lhe foi apresentada sob os viéses do conflito verbalizado. Além disso tem por característica projetar a responsabilidade pelos acontecimentos no outro, por força do caráter adversarial do proceder jurídico.

O procedimento para elaboração da resistência (a fala da parte que se opõe ao pretendido) tem as mesmas bases: um outro advogado, diante da verbalização enviezada do conflito pelo seu cliente (o requerido) e da pretensão definida nos autos, e ocupando uma posição igualmente de parcialidade, irá construir uma outra história relacional visando consubstanciar a recusa em atender o pretendido, e o fará contradizendo o alegado pela outra parte e procurando projetar, de volta, a responsabilidade no requerente.

A estratégia de jogar a culpa no outro, vem acompanhada da necessária desqualificação deste enquanto cônjuge, pai ou mãe, e é implicitamente imposta pelo cunho adversarial do proceder jurídico. Comprova-o o fato de a própria legislação civil supor que numa separação conjugal há um culpado e um inocente (veja o artigo 1.578 do Novo Código Civil). O processo é conduzido como se coubesse ao “inocente” ser “indenizado” pelo sofrimento e humilhação que lhe foi imputado pelo “culpado”.

Constituída a lide os atos vão se sucedendo em conformidade com o regramento estabelecido, até o desfecho do processo que é a decisão judicial.

3 comentários:

Anônimo disse...

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